quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Futebol não é mercadoria (1)

O Brasil perdeu nesta quinta-feira, 8 de outubro, sua primeira partida de estreia em eliminatórias para a Copa do Mundo. No distante 1993 havia perdido pela primeira vez, desde 1954, a condição de invicto nos jogos qualificatórios para a Bolívia, na altitude. Agora largamos junto com a Argentina para o Mundial da Rússia nas últimas posições da tabela sul-americana das Eliminatórias, já que os Hermanos perderam para o time de Rafael Correa - Equador - pelo mesmo placar de 2 a 0.

O que aconteceu com o futebol brasileiro?

A CBF – antiga CBD – é corrupta desde a sua criação e, mesmo assim, fomos pentacampeões mundiais.

Na minha opinião, o que houve nos últimos 20 anos foi o acúmulo de vários problemas, ou "defeitos", por assim dizer. Parece até acidente de avião. Não há uma causa, um culpado direto. São milhares de pequenas e grandes coisas que levam um avião a despencar. A analogia com o futebol é grande. Mas o futebol não despencou. Dialeticamente, mudou de qualidade.

São cada vez mais frequentes as lamúrias em relação aos jogadores e ao futebol jogado no Brasil. Hoje vivemos uma inédita estiagem de craques e não temos projetos que possam dirimir ou estancar as suas consequências. Na lista de defeitos eu coloco, em primeiro lugar, o capital. Ele é um dos que transformou o esporte em mercadoria e é a lei do mercado que rege o dito cujo. Faltou inteligência para o mundo do futebol brasileiro para extrair o melhor. Garrincha, o sujeito "ingênuo", de pernas tortas e driblador, teve dificuldades para começar a carreira nos anos 1950. Hoje, apesar de driblador, provavelmente seria proibido de jogar, por ter as pernas tortas. Um laudo médico poderia condená-lo.

O lucrativo é formar zagueiro alto, rápido, forte. Jogador com um metro e sessenta mostra suas qualidades na várzea. Não no gramado das modernas arenas. Ninguém vai querer comprar um driblador porque não há espaço e tempo para o drible, dizem. E também não há espaço para o driblador, porque o futebol "não é para humilhar o adversário".

Do início e popularização, no início do século 20, até a profissionalização, decorreram cerca de 30 anos. Os clubes sobreviviam com o dinheiro das mensalidades pagas pelos seus sócios e das rendas produzidas nas partidas que o time jogava em casa.

O amadorismo começou a morrer quando os clubes passaram a ratear parte da renda com seus jogadores. Era assim que o time se tornava atrativo, era assim que um clube podia atrair o craque do vizinho, do rival menos rico. Negros e pobres, em grande parte, estavam alijados dos elencos. Uns pelo racismo e outros pela pobreza mesmo. A elite não gostava de jogadores que jogavam por dinheiro. Mas, se quisessem um craque no time, tinham de pagá-lo, mesmo que relutantemente.

É curioso notar que a mídia foi visceralmente contra a profissionalização. Diziam, nos anos 1930, que ela acabaria com o futebol brasileiro. Mas, na verdade, fez com que negros e pobres pudessem, finalmente, jogar o esporte, que havia perdido seu caráter de jogo de elite justamente pelo fim do amadorismo. Vem dessa época a expressão "futebol não dá camisa a ninguém", que procurava remover o desejo do jovenzinho em virar um jogador consagrado. Era melhor trabalhar como assistente de pedreiro na construção civil, pois ali ele poderia alimentar sua fome e se vestir, deixando o futebol para os almofadinhas. É um capítulo da luta de classes, em que negros e pobres acabam virando proletários porque o "capital" quer extrair deles a "mais valia" que produzem em campo.

Dessa profissionalização decorreram as leis. A mais duradoura foi a lei do passe, que vinculava o jogador a um clube – que detinha seu passe, ou seja, a sua licença para jogar futebol – e só poderia deixá-lo se outro clube pagasse pelo seu passe. Essas transações foram se tornando cada vez maiores, pois geravam lucros sempre inéditos às equipes que tinham menos torcedores. O passe valia desde o preço de uma casa média ou um carro de luxo nos anos 1930 até vários milhares de dólares nos anos 1990.

Não é coincidência a profissionalização se dar nos anos 1930. É naquela década que o capitalismo vive a sua primeira grande crise, só superada no ano de 2008. Ela é também uma das razões para a adoção do profissionalismo. Os clubes burgueses sofreram com a Grande Depressão econômica, já que seus patronos e sócios eram muito ligados à agropecuária. O setor do café, com seus barões, foi duramente atingido e os clubes ligados à eles acabaram deixando de lado o futebol, que havia encarecido demais para ser mantido. Os barões do café faliram e, com eles, vários clubes da elite. Como por exemplo um dos grandes de São Paulo, a Associação Atlética das Palmeiras. Um clube alvinegro que era mantido pela elite cafeeira paulistana.

Sobreviveram os clubes populares, porque tinham grandes torcidas, grandes rendas e, principalmente, porque seus sócios eram de várias camadas da população. A desculpa mais dada para o sumiço de clubes até então tradicionais dos campeonatos é de que eles prezavam o amadorismo em lugar do profissionalismo. Como haviam ligas amadoras, cabe a pergunta: por que fecharam, já que era possível continuar disputando campeonatos amadores? O futebol, por si, como esporte, já não interessava a eles.

Embora o ingresso fosse gratuito para quem era associado do seu time, o futebol gerava rendas altas, devido ao grande interesse que despertava na população, carente de diversão. Estádios lotavam. Daí o poder público interveio a seu favor. Grandes estádios começaram a pipocar nas grandes cidades. Na maioria das vezes, era o estado ou a prefeitura que dispendia recursos. São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, são exemplos de cidades onde o poder público ergueu grandes estádios (Pacaembu, Mineirão e Maracanã).

O futebol se torna um esporte de alto lucro, com forte atração e grande interesse das empresas de mídia, que passam a lucrar com ele a partir dos anos 1970, com as transmissões de partidas em troca de comerciais na televisão. Transações milionárias surgiram a partir dos anos 1980, quando o futebol da Europa voltou a permitir a importação de estrangeiros para seus times. Se durante os anos 1960 um craque como Pelé jogava por toda sua carreira em apenas um time, nos anos 1980 a situação começa a transformar-se.

Naquela época, a cadeia de transmissão do dinheiro no futebol era simples: O clube pequeno investe em jogadores jovens, acha um astro, lucra com ele ao vendê-lo para um clube grande.

A partir dos anos 1980 os clubes grandes - e também os pequenos - passam a vender jogadores para o exterior, em troca de grandes somas de dinheiro. Vão para a Europa - e outros continentes - em diferentes épocas os melhores jogadores do Vasco da Gama (Roberto Dinamite), Flamengo (Zico), Fluminense (Rivelino), Corinthians (Sócrates), São Paulo (Raí). O Brasil tem vários celeiros de craques e quase prontamente esses jogadores são substituídos por outros de qualidade.

Essa cadeia é rompida com a promulgação da Lei Pelé. Os clubes já não contam mais nas transações. A mudança na legislação é um duro golpe nas finanças deles. Ronaldinho Gaúcho, um craque excepcional, sai do Grêmio para a Europa de graça. Não há mais vantagem em investir em jovens promessas, a não ser que o clube tenha dinheiro para manter o jogador livre das ofertas e "preso" ao clube, mas por pouco tempo, já que contratos não podem exceder um prazo determinado por lei. Os clubes pobres estão fora desta possibilidade.

O capital, hoje é o principal objetivo de qualquer clube. Sem ele não há sobrevivência possível e centenas de pequenos clubes já deixaram de ser ativos, extinguiram-se ou viraram propriedades de agentes de futebol. Só em São Paulo é possível enumerar alguns casos: Ituano, Novorizontino, Catanduvense e Ferroviária. Extintos, voltaram à luz na mão de empresários. São casos famosos os times já nascidos nas mãos desses agentes: Grêmio Barueri e Guaratinguetá, que num dado momento - financeiramente melhor para eles - foram Grêmio Prudente e Americana. Esses clubes existem pelo dinheiro, não pelo esporte.

O lado positivo, se é que há, é que aumentou o profissionalismo no futebol. Não há como comparar a desorganização existente até 1990 com o mundo moderno e "clean" trazido à luz pela grana preta aplicada, principalmente, pelos patrocinadores e pelas emissoras de televisão. O futebol virou coisa de milionários. O capital infiltrou-se nele e não há futebol competitivo fora dele. Hoje, é outro futebol. O futebol que consumimos e não o que torcemos.

Continua

Nenhum comentário:

Postar um comentário